Você já parou para pensar que os hábitos tiveram origem em comportamentos intencionais? Muitas de nossas ações automáticas, hoje, foram, no passado, primeiramente pensadas e propositalmente escolhidas para obter um resultado específico.
Diante de uma recompensa proveniente daquele comportamento, passamos a repeti-lo algumas vezes, até que a repetição gerou um condicionamento. Isso significa que não necessariamente passamos a repetir um comportamento para obter uma recompensa, mas porque esse comportamento se tornou uma ação automática ou subconsciente.
Tenho um exemplo disso, quando decidi encontrar tempo acordando cedo, por volta das 4 da manhã, todos os dias. Inicialmente, a ideia me soou dolorosa. Sempre tive imensa dificuldade em ir para a cama à mesma hora todas as noites, portanto passei a me planejar e a criar intencionalmente uma rotina do sono bem regrada, de modo que conseguisse acordar todos os dias no mesmo horário.
A princípio, me sentia atordoada na parte da manhã, como se estivesse fazendo algo proibido, porque, na minha cabeça, na escuridão da noite, todos devíamos estar dormindo. No entanto, justamente à noite era o momento em que me sentia mais alerta e no qual me entregava a fazer o que mais gostava: habitualmente, ler no computador ou assistir a filmes. Mudar esse padrão de comportamento e pensamento foi algo decisivo.
Inicialmente, me sentia cansada, não pegava no sono assim que deitava. Precisava tomar um mix de chá de camomila, valeriana e passiflora, e pela manhã precisei lutar contra a sonolência e o frio fora das cobertas.
Mas a recompensa veio logo. Passei a contar com blocos de três ou quatro horas para me dedicar à leitura e à produção de textos, e essas tarefas, em si, eram recompensadoras.
Para uma mãe em tempo integral, era o melhor o cenário ideal. Publicar semanalmente um artigo é uma enorme recompensa. Hoje me habituei a essa rotina, não mais porque recebo incentivos externos ou tenho um grande público, mas porque se tornou algo automático, que repito sistematicamente num mesmo momento e lugar.
Os Três Elementos Essenciais para Estabelecer um Hábito
Para conseguir estabelecer o hábito de escrever, é preciso que se tenha em mente três elementos essenciais:
1. Estabeleça uma deixa: No meu caso, foram pequenos post-its espalhados pela parede da cozinha).
2. Tenha uma rotina: Ou seja, pratique a ação (escrever todos os dias).
3. Note a recompensa: A sensação de bem-estar depois de uma sessão de escrita concluída.
Mas o que realmente significa cada um desses elementos? É importante compreender como cada um deles opera para que você consiga reconhecê-los no seu próprio processo.
O que cada parte do hábito significa
Deixa – são sinais que indicam o momento de começar a escrever: um lugar (definido), uma ação (prévia), uma hora (certa), uma ação anterior, uma circunstância especial.
Rotina – são ações realizadas, aquelas que se deseja que se tornem hábitos (escrever no caderno-diário).
Recompensa – é a sensação de satisfação ou bem-estar que surge após a escrita, deixando um rastro mental que favorece a repetição da ação.
Criando um Ritual Internalizado
Para que escrever se torne um hábito, é preciso fazer disso um ritual internalizado. Para que isso aconteça, são necessários três acontecimentos: gerar um histórico de repetição num mesmo contexto – ou seja, mais ou menos desencadeado no mesmo dia e horário, num lugar determinado – e, principalmente, automatizar a ação.
Note: isso não tem tanto a ver com a frequência, mas sim com a habituação. Para se criar o hábito de escrever, não é preciso escrever todos os dias, mas se sentir confortável e decidido a escrever numa certa ocasião. Não é a quantidade ou o número de vezes o fator decisivo, mas a entrega exclusiva à prática da escrita em circunstâncias específicas.
Por isso, é importante ter claro o vínculo entre a deixa e a ação. Isso acontece, vale a pena reforçar, escolhendo um lugar, definindo um horário, identificando momentos críticos ou certas circunstâncias (emocionais ou sociais), ou realizando uma ação anterior.
Como funcionam as deixas na prática
Deixa (local) → escrivaninha a postos com caderno e caneta = escrever
Deixa (horário) → assim que acordo = escrever
Deixa (estado emocional) → depois de uma reunião com o chefe = escrever
Deixa (ação anterior) → logo depois de arrumar o escritório = escrever
Deixa (interação social) → quando me reúno com alguns amigos = escrever
Minha Experiência Pessoal com a Escrita Emotiva
Tenho me dedicado a escrever por motivos variados, e condensar ou alternar diferentes formas de me expressar no papel aguçou minha criatividade e visão de mundo. Conforme notava seus benefícios, me sentia cada vez mais preenchida de uma nova esperança ou perspectiva de mundo.
Naturalmente, isso foi se tornando um hábito no qual não preciso passar um tempo lutando com meus próprios pensamentos, com frases soltas a dizer: “mas estou sem tempo”, “posso fazer isso outra hora”, “minha letra é péssima”, “o que adianta”, “não quero lembrar do que me fez mal”, “e se alguém ler o que escrevo?”.
O hábito se torna automático, a meu ver, não porque o fazemos de forma impensada, mas porque não há mais aquelas objeções mentais ou monólogos internos nos quais debatemos a importância de fazer ou não fazer algo. A decisão já está tomada.
Quando percorremos, de forma persistente, o itinerário do gatilho, da rotina e da recompensa, essa nova prática se torna parte essencial do nosso quotidiano. A escrita deixa de ser uma escolha a ser ponderada e passa a ser um hábito – automático, esclarecedor e essencial.
Diários de Psicologia | Marilles Farias