ENTRE CLICHÉS E NUANCES
fragmentos de uma escrita expressiva
Compartilho uma breve história de ficção, originada de uma sessão de escrita criativa.
Os fatos não são verídicos, mas são inspirados em sentimentos e impressões pessoais.
Ouso experimentar essa abordagem como um recurso alternativo à escrita expressiva.
Espero que gostem.
Naquela casa não havia nada minimamente organizado - havia bolsas e sapatos espalhados no meio da sala, na cozinha uma pilha de louça fétida, devia estar ali há dias. O chão do banheiro estava repleto de fios de cabelo fazendo ninhos negros aqui e ali. No quarto dela estavam empilhados livros no chão, roupas íntimas em cima da cômoda e garrafas de água e potes de batatas fritas vazias no beiral da janela semicerrada.
De repente o despertador tocou estridente e, na tentativa de o desligar, ela esbarra com a mão e o celular tomba ao chão, o que só piora as coisas. O som do alarme se intensifica, não houve outra solução a não ser finalmente sair da cama e chutar o aparelho para mais longe, o que só prolongou seu martírio. Enquanto berrava cada vez mais alto, Melanie se ajoelhou, tateando no escuro à procura dele.
Já era tarde demais, agora sentia-se perfeitamente acordada. E para quê? Não suportava nem mais um dia no campus, sentia uma leve dor de barriga e qualquer coisa estranha apertando seu peito, e a cabeça estava lotada de declarações meio velozes, que diziam: “não aguento mais”, “não posso”, “o que vou fazer”.
Ela olhou para o relógio digital no criado-mudo, piscando com uma luz fosca. Nesse momento, sentiu o tórax latejar. Não tinha saída, ela tinha vindo da sua cidade para isso.
Abriu o armário e, em meio a uma pilha de roupas amontoadas, pensou: “Não tenho nada apropriado”. Agarrou uma blusa azul-marinho e umas calças jeans largas, e colocou-as displicentemente.
Quando seu celular tocou, ela logo respondeu: “Mãe! Estou com medo. Quero voltar pra casa”. A qualquer coisa que a mãe disse, ela desatou a chorar. Desligou o telefone e começou a arrumar sua mochila. Já estaria atrasada para a primeira aula e chamaria a atenção de todos para ela quando colocasse o nariz para dentro da sala - esse pensamento a fez sentir um arrepio a lhe percorrer a parte de trás do pescoço.
No ponto de ônibus, em meio às pessoas, olhava seu relógio de pulso quando escutou uma conversa:
"As onze horas, isso mesmo, no intervalo da aula. Cara, vai ser maneiro, estamos aguardando a chegada da banda para completar e fechar a matéria."
"Tá, tá bom. Essa semana o jornalzinho vai ficar irado, porque as matérias estão um pouco mais apimentadas que o normal" - riu-se o rapaz ao celular.
"Te encontro na sala da associação, aquilo ali vai estar bombando. Cara, não deixa de ir, vão ter uns petisquinhos veganos pra você, a Luc me disse" - soltou uma gargalhada irônica, depois olhou para a tela com um sorriso largo e guardou o celular numa mochila.
Ela ficou surpresa por saber que alguém, assim como ela, também ia de ônibus para a PUC e não de Audi ou Mercedes, ou na mais humilde das hipóteses, num MINI Cooper S de segunda mão.
Melanie foi criada pela mãe e pelo padrasto em Viana, no Maranhão. Tinha se mudado há pouco tempo para o Rio de Janeiro para frequentar a Universidade Católica, onde conseguiu uma bolsa parcial para seus estudos.
A família sempre prezou pela formação dos filhos. A maior expectativa dos seus pais era ver os filhos com um diploma na mão ou no bolso - tanto faz. O que fariam com isso ninguém sabia bem ao certo. O título e o orgulho de poder pronunciar “minha filha engenheira” era o que importavam.
Não interessava mais nada nessa vida severina de Dona Esmeralda, apenas ver a filha formada para poder brandar com orgulho: “Eu soube criar bem os meus filhos, ora vejam só”.
O curso de Ciência de Dados foi uma escolha aleatória. “É o que vai dar dinheiro”, “é o futuro” ou “terá sempre um emprego” foram as frases dos seus pais. Essas frases ecoavam como lembretes impregnando seus pensamentos.
A associação atlética acadêmica ficava no 3º andar do prédio da reitoria, e ela nunca saberia disso se não o tivesse seguido sorrateiramente. Quando ele abriu a porta da sala, podia-se escutar o som de uma música e umas risadas meio histéricas, e um cheiro de pizza exalou pelo corredor e fez sua boca se encher de saliva.
Ela se aproximou e espreitou lá para dentro, sentindo-se ofegante, quando imediatamente cruzou olhares com o rapaz do ponto de ônibus. Eles ficaram se olhando por uns cinco segundos, mas foi a troca de olhares mais profunda ou demorada que ela tivera nos últimos meses.
Mostrando uma expressão sorridente, Benoah curvou a coluna sem tirar os olhos da menina. Era aquela sua típica postura de veemência galanteadora quando se deparava com uma “beldade”. Ele era conhecido por isso como “the lord of the meninas”. Como sempre ele recebia aquele sorriso esperado da sua contraparte surpresa com tamanha cara de pau.
- Estávamos esperando pela senhora. Por favor, entre.
História em construção…


